"A própria ingenuidade de um olhar novo (...)
às vezes pode lançar uma nova luz sobre antigos problemas."
Jacques Monod (1910-1976), filósofo francês, em seu livro "O Acaso e a Necessidade".
Os
conceitos altruísmo e egoísmo, e o consequente tema altruísmo verso egoísmo,
têm sido foco de minhas reflexões desde o final da década de 1960, e a partir de quando li,
no final dos anos 1970, “O Gene Egoísta” (Selfish Gene), de Richard Dawkins, passei a focar minha atenção para entender as motivações dos diversos comportamentos humanos. Desde
então, e pendularmente, me aprimorei - pelo menos em minha autoavaliação – nesta
área do conhecimento, isto, portanto, há mais de 50 anos. Já é mais que hora
de organizar minhas “conclusões” e passá-las adiante para outras mãos e mentes com
o objetivo de expor a máscara de hipocrisia que encobre de moralidade o
uso de tais conceitos morais para controlar a ação dos indivíduos e dos grupos sociais
em qualquer nível de atuação.
Lá
pela metade deste meu périplo mental de 5 décadas, me concentrei em questionar
o rótulo-síntese dado por Dawkins a seu trabalho que visou organizar, sob sua
visão, as descobertas da genética que entendeu estarem na base da evolução das
espécies. Entretanto, o título escolhido, recebeu crítica de acadêmicos e leitos.
Seu mote “egoísta” – em inglês selfish – foi assumido como um conceito moral aplicado à ação da genética, interpretação impossível de ser sustentada dada a natureza dos genes.
Um
gene é um segmento de DNA formado por uma “sequência de ácidos nucleicos que
contém uma receita para produzir uma proteína que exerce função específica” em
um organismo vivo. Portanto, um evento absolutamente isento de regras morais,
pois os genes são uma unidade biológica sem qualquer consciência, seja de si mesmo, seja de seu papel
no processo de constituição dos seres vivos. É isso. Sem considerações
adicionais.
Sem crítica à escolha de Dawkins, apenas aponto a razão de muita gente “boa” ter
rejeitado de antemão seu trabalho simplesmente por ele ter usado “egoísta” em
vez de... em vez de... Fui verificar as alternativas. Achei
duas: “self-centered” e “ego-centered”, ambas publicitariamente ruins e sem
trazer qualquer vantagem. É,... ele fez o melhor que pôde!
Tal
como receita de bolo, portanto, o gene não está nem aí se o forno estava ou não
na temperatura certa na hora de ser posta para funcionar. A receita se encerra
nela mesma. O gene não sofre as alterações que a minha mãe, sempre desobediente,
fazia nas receitas que ela “aprendia”. Tal como Cezar, os genes lavam as mãos
para o que acontece depois.
Toda esta introdução para dizer que não é de egoísmo que vou tratar, mas sim, de altruísmo, pretensamente o inverso dele. Por quê? Uma primeira parte da resposta está neste texto, a segunda numa próxima publicação. Avante! "Um por todos, todos por um!". Me perdoem, acabei de ler, aos 76 anos (!!!), "Os 3 Mosqueteiros"!!! Caso típico de adolescência tardia!

Altruísmo
foi um conceito proposto no escopo das ideias positivistas
de Auguste Comte
na primeira metade do século XIX. Ele o definiu como sendo
“uma disposição
humana que leva as pessoas a se dedicarem aos outros”. Considerava o
altruísmo a manifestação do
“amor pelos outros” e
“como a base da
moralidade e um princípio fundamental para as relações sociais”.
Vamos
dissecar tais ideias. Para começar tenho dúvida quanto ao que Comte queria
transmitir com a afirmação “uma disposição humana”. Seria uma
“disposição” inata, genética? Aprendida na educação formal? Sob a influência
parental? Ou, última opção, por uma ”disposição” interesseira? Desconfio que tal esclarecimento não seja encontrado em seus textos. Então, lá vou eu fazer minha tentativa!
Pós
um olhar para história das relações humanas, dos estupros, dos conflitos tribais, das
barbáries, dos genocídios, das guerras, é minha convicção que não está na
natureza dos humanos
“uma disposição” para “se dedicarem aos outros”, ou manifestarem “amor
pelos outros”. É evidente que Comte se inspirou - ele nunca o admitiu - no “mito do bom
selvagem”, de Rousseau , a crença de que o ser humano seria naturalmente
bom e inocente.
Ainda
sobre a tal “disposição” ser inata, deixo, para sua reflexão a seguinte
observação: antes mesmo do cristianismo, já constavam do Antigo Testamento, entre outros, os mandamentos “Não matarás”, “Não cometerás adultério”, “Não
roubarás” e “Não levantarás falso testemunho contra o teu próximo”. Por que seriam necessários tais “conselhos" para uma conduta moralmente positiva se a “disposição”
para o altruísmo fosse uma condição inata no ser humano? É exatamente por esta
pré-condição não existir, que dogmas comportamentais estranhos à natureza humana, são "sugeridos" como necessários a se obter, se não a solução, pelo menos uma tendência à estabilidade das relações sociais e à perpetuação no poder do governante da ocasião. Vamos em frente.
Tenho
muita dificuldade em aceitar que aprendemos - no sentido de adotar como
comportamento - o que quer que seja que contrarie nossa individual e única
natureza, o que me leva, por princípio, a descartar a segunda hipótese, do aprendizado. O ser
humano não muda pelas circunstâncias, ele se adapta a elas, o que é
absolutamente diferente de aprender no sentido de incorporar como regra de vida.
Consequentemente a ideia de um pretenso comportamento “altruísta” ser
aprendido, seja na escola, seja na família, é uma impossibilidade, a não ser
que...
(
Parágrafos entre colchetes são meus, os demais estão na
resenha do livro “Manifesto do Altruísmo” de Felipe Kourilsky, feita por Arthur Virmond de Lacerda, Neto .
[Como
tantos outros pensadores, Comte foi tendencioso ao que enxergou como “verdade” a
ser estruturada para consumo de seus seguidores. Não estou sozinho nesta constatação. Para Jacques Monod, "a importância relativa atribuída à escolha de exemplos, refletem tendências pessoais". E sentencia: "A modéstia
convém ao sábio, mas não às ideias que o habitam e que ele deve defender".]
Para
Comte, “o embasamento da educação” dos indivíduos deveria passar por “simultaneamente,
na razão e no sentimento, ou seja, na cultura intelectual e na afetividade,
pelo que a felicidade humana consistirá no maior desenvolvimento possível das
afeições benevolentes”.
Segundo
Comte, como as atitudes altruístas são, por natureza, as únicas desinteressadas
[sic], a moralidade poderia se fundamentar nas emoções. Seria um tipo de “religião
da gentileza” (...) [O grifo é meu.]
[E
aí Comte se contradiz. Se a busca é “educar pela razão” e assemelhar a uma "religião", então significa impor um comportamento por considerar a natureza humana incapaz de tal fundamento!]
)
A não ser que o altruísmo seja exercido como estratégia
pessoal para a obtenção de benefícios práticos, sejam materiais ou espirituais. E chegamos à terceira e última opção.
Antes preciso
citar uma outra característica atribuída ao “altruísmo”, a
de ser a “ação de ajudar alguém sem esperar nada em troca”. Sem chance.
Toda ação consciente, subconsciente ou, até mesmo, inconsciente intenciona uma consequência, um resultado, podendo este ser financeiro,
econômico, político, material, espiritual, transcendental, que diabos for, mas sempre e eternamente buscando um retorno imediato ou futuro.
Me
cito a título de exemplo. No âmbito das relações familiares e de amizade, admito e dou graças, sou
um privilegiado. Qualquer um dos que integram estes dois grupos foram, são e
sempre serão objeto de meu “altruísmo” interessado em ajudar o outro, porque
espero que tal atitude tenha como retorno o bem-estar, a alegria de meu ego. Se qualquer um deles me acordar no meio da noite carecendo de ajuda, saltarei da cama em seu socorro como se uma mola me impulsionasse. E a
razão para tal disposição é puro suco de egoísmo, interesse psicológico de me
sentir maravilhosamente bem sendo aquele que acudiu o familiar ou o amigo! É
óbvio que me sinto feliz pelo outro se tudo terminar bem, tanto quanto é óbvio
que me sentirei mal por ele se tudo terminar mal, mas, é aí que reside o
busílis da questão, mesmo aí me sentirei muito bem por ter agido como agi. E não espero, nem dependo, num casos destes, de qualquer retribuição ou agradecimento. A ação, em si, me basta como recompensa.
Vou
pedir que o Leitor dedique alguns minutos para pensar no que vou lhe propor
agora. Tente listar uma ou duas ações que você imaginaria fazer sem que tal não lhe desse qualquer retorno a seu ego, qualquer satisfação puramente espiritual. Pense bem, não é lhe dar um retorno pífio,
mas sim não lhe proporcionar um retorno mesmo que de um valor mínimo, mesmo que
só de um valor puro e levemente espiritual! Proponho de uma outra maneira. Tente lembrar o que você já fez exclusivamente contra você, contra seus interesses, contra sua natureza por livre e espontânea vontade! Mas atenção! Não vale situações similares à do marido que odeia lavar a louça, mas o faz contra a sua vontade, para evitar o mau humor (ou coisa pior!) da esposa. Acrescente ainda uma reflexão sobre
por que uma pessoa não se digna ajudar outra quando uma situação demanda,
direta ou indiretamente, sua ação “altruísta”?
O tal do “altruísmo” não existia antes de Comte na história
humana, já que foi ele o “inventor” do conceito. É que não existia mesmo! O que
sempre existiu, existe e existirá para todo o sempre, este sim, é o “egoísmo”,
é a atitude guiada pelos sentimentos interiores, pelas percepções dos exteriores
– as circunstâncias, diria Ortega y Gasset - e pelas necessidades presentes e
prementes.
O “altruísmo” é só o egoísmo de máscara.
Hoje
cuidei de um lado desta moeda moral, cujos dois lados, para mim, têm a mesma "cara". Na próxima
publicação tratarei do egoísmo e de um outro conceito que, em minha humilde
opinião, é o que importa para a vida. Ter dedicado algum tempo sobre a proposta de reflexão que fiz acima, vai ajudar bastante.
Até
lá,
Paulo
Vogel
Neste
meio, eu sou a mensagem!
Mar/25